Elisa Castro
Artista e Psicanalista
Qual o seu medo?
Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre, La Paz (Bolívia) e Buenos Aires (Argentina)
Registros fotográficos de Elisa Castro e Thiago Barreto
2007 à 2012
Qual o seu medo?
Elisa Castro distribuiu pela cidade um número de telefone e a pergunta: “Qual o seu medo?”. Quando alguém ligava, a secretária eletrônica instalada em seu atelier era acionada. Na mensagem, a artista revelava um medo e pedia para que as pessoas deixassem os seus medos após o bipe da máquina. Posteriormente, a artista coletou medos através de uma urna instalada em espaços da cidade de diferentes contextos sociais.
Os fios do aparelho de telefone instalado no ateliê para coletar os medos, se tornaram matéria prima para desenhos bordados que materializavam as imagens referentes aos medos deixados na secretária eletrônica. O fio de cobre da parte interna da fiação elétrica dos telefones era retirado e colocado em uma agulha de costura para a realização do bordado. Pequenos retalhos de tecido de linho branco foram utilizados como suporte da série de setenta desenhos nomeada como “Me Cobre”. Os áudios com os depoimentos também foram transformados em obra sonora que integrou o projeto 4’33’’ da Bienal do Mercosul. Com a intenção de produzir uma experiência de transmutação, Elisa Castro distribuiu o áudio dos medos para que um coletivo de artistas e produtores de música eletrônica transformasse os depoimentos em música. O evento foi encerrado com uma grande festa dançante na qual as pessoas foram convidadas a dançar os medos.
A exposição “O Sol e a Dúvida” realizada em 2012, encerrou o projeto “Qual o seu medo”. A individual era composta por: duas instalações, nomeadas como Ritual de Purificação e Dominação é Solidão, uma série de desenhos pirografados Transmutações: ações políticas, a série de pinturas O que não se fala, não se vê e não se ouve e como obra central, a escultura A Resposta.
O projeto “Qual o seu medo” participou de exposições nacionais e internacionais como: "Novas Aquisições" – Coleção Gilberto Chateaubriand (Museu de Arte Moderna – MAM, Rio de Janeiro, 2012); 29º Arte Pará (Belém, 2010), 43o Salão de Arte de Piracicaba (Piracicaba, 2011); Experimentações (Galeria Progetti, Rio de Janeiro, 2010);Novíssimos 2010 (Galeria do IBEU, Rio de Janeiro, 2010); IV Bienal SIART (Centro Cultural Brasil-Bolívia, La Paz/Bolívia, 2009); 7a Bienal do Mercosul: Grito e Escuta (Porto Alegre, 2009); Linha Líquida (Galeria Martha Traba, Memorial da América Latina, São Paulo, 2009); Arquivos do Presente – Museu da Maré (Prêmio Pontos de Cultura, FUNARTE, Rio de Janeiro, 2009); Ateliê Vila S. Longuinhos (Museu Murillo La Greca, Recife, 2009); Abre-Alas 5 (Galeria A Gentil Carioca, Rio de Janeiro,2009). Em 2010, seis obras da série “Me Cobre” foram adquiridas por Gilberto Chateaubriand para integrar a coleção de arte do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
O sol e a dúvida
Galeria Progetti | outubro de 2012
Texto de Marcelo Campos
(Crítico de Arte. Doutor em História da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro)
“Lá onde o sol se cala e a luz me nega”
(Dante – Inferno, A divina comédia)
Mas sucedeu que o seu coração mudou, e uma manhã,
tendo-se levantado com a aurora, pôs-se em frente ao
sol e assim lhe falou: ó grande astro! Que seria da tua
felicidade, se te faltassem aqueles a quem te iluminas?”
(Nietzsche – Assim falou Zaratustra
Elisa Castro apresenta, em sua exposição individual na galeria Progetti, séries de trabalhos em que inquieta-se com as relações em torno da dúvida, dos medos e da transcendência. Assim, se aproxima do caráter ritualístico como possibilidade de resposta. Ao entramos na galeria, a peça de destaque é A resposta, objeto feito de metal como um condutor de chamas, em que numa ponta apresenta- se um botijão de gás sobre livros de filosofia, mais especificamente da série Pensadores a respeito de Descartes. Na outra extremidade, uma caixa de som ecoa a respiração da artista, posicionando-se em frente ao cone que amplifica, imaginariamente, o fogo e reverbera o som. No tubo de condução, chamas são enfileiradas, expandindo-se e retendo-se tanto pelo movimento do controlador do gás, quanto pelo impossível estado de repouso das mesmas. O fogo freme com o ar. A dúvida vacila a consciência e o corpo dos sujeitos. A dúvida metodológica cartesiana, dubito, ergo cogito, ergo sum, capacitou-nos a reflexão sobre a existência do “eu”. O homem é o ser que duvida. A existência do “eu”, então, surgiria do próprio ato de duvidar. Alguém, ao duvidar, pensa. Enquanto isso, a fé se torna vacilante, tal qual as chamas, o fogo, mas nem por isso, menos potente. “Uma fé que não vacila não é uma fé.” Estamos diante de estados de flutuação. Mas o que levaria a artista a estas questões? Elisa Castro partiu de uma ação urbana, inicialmente, de escrever sobre muros da cidade a pergunta: qual o seu medo? Ao lado, colocava um número de telefone conectado a uma secretária eletrônica que coletava e gravava os medos de quem aceitasse o jogo, dos que resolviam agir. E a ação é a única possibilidade de vencer a dúvida, aquilo que pode causar o medo. Portanto, para que o elo se desse, artista e público crer, ativar a vontade, ainda que exercitando de “vacilações” “irresoluções” “perplexidades”. A exposição “O sol e a dúvida” traça, em certa medida, o passo adiante. O que fazer com as constatações dos medos? Como expurgo, o vídeo Ritual de purificação apresenta Elisa concomitantemente revelando os medos escritos nos papéis recolhidos das urnas e os queimando de frente para a câmera, um a um. A única iluminação é a luz da vela, o fogo, a cremação. Na sala, espalhados no chão, os medos são selecionados. Mas há muitos, chegando a gerar 40 minutos de gravação. No chão da galeria, quase todos os medos: “O vazio”, “Não encontrar o amor”, “de si mesmo”, “de não ser”. “Proteja-me do que eu quero!”, gritaria a artista Jenny Holzer. Aí, então, retornamos à dúvida como processo de autoconhecimento. Somos nós e não os outros o nosso inferno. Quem nos domina é o medo que, segundo Clarice Lispector, nascera com o mundo. E, em contrapartida, o mundo começara com um “sim”, uma molécula disse sim a outra, afirma a escritora, e dera origem à vida. A recusa (a luta) será, então, sair da letargia, da inércia, da passividade. E isto pode nos ser oferecido pelo desejo ou pelo labor. O surgimento de ferramentas, afirmará Bataille, também foi o mecanismo de controle do erotismo. Nas pinturas da série O que não se fala, O que não se vê, O que não se ouve, vemos homens-ferramenta, cujas partes do corpo são substituídas por materiais para moldar, aparar, criar formas. Nas pinturas de personagens amarelos sobre fundo marrom, a clausura continua como contradição. A crença na razão, a busca pela perfeição formal, pela domesticação de pensamentos não nos libera para soluções universais. Mas, ao mesmo tempo, empreende ações, afirmações, ainda que tudo vacile. Os trabalhos apresentados ganham, inegavelmente, o caráter confessional. Mesmo anônimas, as frases se mantém presentes, se materializam. Dominação é solidão grava a artista em metal, questionando a ideia da unilateralidade. Um que domina, outro que obedece. E os dois vivenciam os sintomas da solidão. Inferno! Fastio! Afasia! Aqui entendemos a respiração, a vontade de sobreviver, de queimar os males, de ritualizar para expulsar anjos decaídos. Tanto quanto no amálgama da Porta do inferno de Rodin, as narrativas que moldam as cenas que interessam Elisa Castro saem das massas amorfas, as ruas. Seus trabalhos criam e se apropriam de sentidos da realidade mundana. O que se estetiza, o desenho, a pintura, os bordados, os objetos aparecem para potencializar este contato, esta intersubjetividade. A urna recolhe mais medos, enquanto desenhos, chamas, pirografismos propõem caminhos, alquimias, magias. Walter Benjamin afirmara que só a magia podia nos oferecer felicidade. Repito esta afirmação, aqui, como um mantra. Transmutações, ações políticas são desenhos pirografados sobre tecido de linho. De todas as obras da exposição, esta nos revela a mais intensa transmutação. Corpos se amalgamam, se desprendem, criam movimentos concêntricos. E Elisa usa um recurso simples do desenho, o pontilhado, para prodigalizar sementes, troca de energias alquímicas. A “linha do lápis escapa como bordado”, afirma a artista. Com todas essas propagações, as obras apresentadas por Elisa Castro nos ligam diretamente à contradição nietzscheana. O que se pode sugerir como resposta à dúvida, roubamos da magia, da crença, do sol. “Nós esperávamos todas as manhãs, para tomar o teu supérfluo e te dar graças”, afirma Zaratustra, “Enfastiei-me da minha sagacidade, quero prodigalizar. Descer às profundidades”. Mergulhar na noite, então, é declinar como o sol, ao mesmo tempo que acendemos as luzes até que os medos se banalizem, queimem por completo. Portanto, ao sol, pedimos: Abençoa-nos!
Marcelo Campos
(Crítico de Arte. Doutor em História da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Qual o seu medo?
Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre, La Paz (Bolívia) e Buenos Aires (Argentina)
Registros fotográficos de Elisa Castro e Thiago Barreto
2007 à 2012
Qual o seu medo?
Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre, La Paz (Bolívia) e Buenos Aires (Argentina)
2007 à 2012